
Querido leitor, vamos conversar de forma calma, olhando para a vida como ela é, sem filtros e sem frases bonitas demais. Hoje quero tocar num ponto que costuma ser silenciado: a invisibilidade social das pessoas com deficiência quando chegam à fase adulta.
Porque, vamos ser sinceros…
Parece que a sociedade só enxerga a deficiência quando ela está num corpo jovem. Quando é criança, muita gente se mobiliza: campanha, acolhimento, adaptação, cuidado. Mas quando essa criança cresce, vira adolescente e depois adulto… algo inexplicável acontece. É como se o mundo achasse que as barreiras evaporaram.
Mas não evaporaram.
Não desapareceram.
Não ficaram menos dolorosas.
Elas apenas somem dos olhos dos outros — não da vida de quem as carrega.
Há dores que não fazem barulho — e essa é uma delas.
O cadeirante adulto já foi aquela criança que muitos faziam questão de ajudar, fotografar e elogiar pela “superação”.
Mas quando cresce… o cenário muda. As dificuldades não só continuam — elas se ampliam.
Porque, além das barreiras físicas que nunca foram removidas, surgem as barreiras sociais, aquelas mais sutis e perversas: o preconceito velado, a inclusão de fachada, as políticas públicas que só existem no papel, a empatia seletiva.
E, como se não bastasse, esse adulto com deficiência pode carregar outras camadas de exclusão que o mundo insiste em ignorar.
Pode ser preto.
Pode ser mulher.
Pode ser ribeirinho.
Pode ser quilombola.
Pode ser indígena.
Pode ser periférico.
Pode ser LGBTQIA+.
Pode ser tudo isso junto — e ainda assim ser tratado como se estivesse “exigindo demais” ao pedir dignidade.
É a sobrecarga de discriminações, somando desigualdades que se acumulam como pedras nas costas de quem só está tentando viver.
O autista adulto já foi aquela criança que a escola inteira adotou.
Hoje, adulto, é tratado como “difícil” ou “esquisito”, quando, na verdade, continua precisando de adaptações, compreensão e respeito — só que agora sem a rede de proteção da infância.
A pessoa com mobilidade reduzida já foi aquela criança que recebia atenção e adaptações.
Hoje, adulta, precisa empurrar o mundo com as próprias mãos — e, ainda assim, ouvir que “nem parece ter nada”. É cruel exigir que alguém performe autonomia quando o ambiente não oferece condições para isso.
E existe também a dor silenciosa dos pais e cuidadores.
A preocupação muda de forma, mas nunca diminui.
Porque, no fundo, eles sabem que o futuro ainda é feito de rampas inexistentes, portas estreitas, serviços despreparados, olhares tortos e negligências travestidas de normalidade.
Há também a dor — muitas vezes escondida — da própria pessoa com deficiência, que sente na pele a cobrança por um desempenho “igual aos outros”, mesmo quando o mundo não entrega condições mínimas para isso.
E aqui entra uma verdade difícil:
crescer não cura ninguém.
Crescer não elimina barreiras.
Crescer não transforma exclusão em autonomia.
O que muda é o olhar do mundo — e ele, lamentavelmente, vai embora.
A sociedade se emociona com a infância, mas se incomoda com a adultez.
A criança com deficiência é vista como promessa.
O adulto com deficiência é visto como problema.
E é por isso que precisamos conversar sobre esse apagamento.
Precisamos romper esse silêncio injusto que coloca o adulto com deficiência em segundo plano, como se ele tivesse “perdido o direito” de ser acolhido, incluído, percebido.
Como se a deficiência só tivesse legitimidade na infância.
Meu convite hoje é para que a gente olhe para essas vidas com mais sensibilidade, mais presença e menos julgamento.
Para lembrar que ninguém “supera” uma barreira que nunca foi removida.
E que, quando uma pessoa com deficiência cresce, a sociedade deveria crescer junto — e não desaparecer.
Fica a reflexão. Contra o estado da desigualdade: agressividade.
Contra o estado da normalização das dificuldades: luta.
Desafiaremos o sistema e enalteceremos a democracia.
E, como sempre, deixo aqui um abraço na medida da sua necessidade.





