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‘Mindfulness’ melhora saúde de mulheres com dor crônica na mandíbula, mostra estudo

12 de outubro de 2025

‘Mindfulness’ melhora saúde de mulheres com dor crônica na mandíbula, mostra estudo

Conviver diariamente com dor crônica é uma experiência que impacta não apenas o corpo, mas também a mente e as emoções. Essa é a realidade de milhares de pessoas que sofrem com a disfunção temporomandibular (DTM), condição que afeta a articulação responsável por abrir e fechar a boca, além dos músculos da mastigação. Para essas pessoas, dores constantes na mandíbula, nas têmporas, na face ou ao redor do ouvido, dificuldade de mastigar e até mesmo dores de cabeça podem fazer parte da rotina e afetar a saúde mental.

Agora, um estudo realizado na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP) e financiado pela Fapesp mostrou que a prática regular de mindfulness – técnica de meditação voltada para o foco e a atenção plena – pode ajudar a reduzir a sensibilidade dolorosa e melhorar a regulação emocional dessas pessoas. Os resultados foram publicados no Journal of Oral Rehabilitation.

A pesquisa foi realizada no primeiro Centro de Mindfulness e Terapias Integrativas da Universidade de São Paulo, criado em 2016, e conduzida pela equipe coordenada pela enfermeira Edilaine Gherardi-Donato, que também é professora titular da EERP-USP. Segundo ela, a proposta do estudo foi compreender se a prática de mindfulness poderia aliviar a dor crônica associada à DTM e melhorar os múltiplos fatores envolvidos, desde os aspectos neurofisiológicos aos psicológicos, como estresse, ansiedade e “catastrofização da dor” – quando a pessoa se concentra apenas na dor, ampliando sua percepção negativa, como se fosse algo incontrolável e insuportável – por meio da atenção plena.

“Uma das condições humanas que geram muito sofrimento psíquico e abalam a saúde mental é conviver com dor. A dor é causadora de estresse constante, fisicamente e mentalmente”, explica a pesquisadora. “Quando a gente promove saúde mental por meio de estratégias de cuidado que conectam corpo e mente, estamos prevenindo o adoecimento e promovendo qualidade de vida da população.”

Segundo Gherardi-Donato, a disfunção temporomandibular (DTM) é de duas a três vezes mais comum em mulheres do que em homens e pode evoluir para um quadro de dor crônica quando persiste por três a seis meses, mesmo em repouso e após medidas conservadoras. A condição compromete a função, prejudica o sono, o humor e pode provocar hiperalgesia – resposta exagerada do organismo a estímulos dolorosos.

Nessas situações, o corpo entra em estado de alerta, o cérebro se sensibiliza e a percepção da dor se amplia, afetando não apenas a região da mandíbula, mas também outras partes do corpo. “Esses indicativos mostram que a dor deixou de ser apenas um problema articular e se tornou um fenômeno de modulação do sistema nervoso central, exigindo abordagem multidimensional”, diz a pesquisadora.

Como foi o estudo

No ensaio clínico randomizado, a pesquisadora e sua equipe acompanharam 53 mulheres entre 18 e 61 anos, todas diagnosticadas com DTM crônica, recrutadas no serviço especializado da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp-USP), parceira do projeto, e por meio de divulgação em instituições de saúde e redes sociais.

Metade das mulheres participou de um programa de mindfulness de oito semanas, com encontros presenciais semanais de duas horas e um encontro de imersão de quatro horas em meio à natureza. Além disso, as participantes também receberam os áudios das práticas de mindfulness aprendidas nos encontros presenciais, com orientações para praticar a técnica em casa diariamente. O grupo-controle não recebeu nenhuma intervenção durante o mesmo período e foi acompanhado para garantir que não iniciou outro tipo de tratamento.

“Na nossa pesquisa avaliamos apenas mulheres por serem mais afetadas pelo problema e por apresentarem variabilidade hormonal que poderia influenciar os achados. Olhamos casos de DTM dolorosa crônica, ou seja, de pessoas que já vinham convivendo com a dor há bastante tempo e apresentavam o quadro característico de cronicidade. Essas mulheres ficam mais predispostas a sentir dor também em diferentes regiões do corpo, por envolvimento de mecanismos de sensibilização periférica e central, porque o sistema nervoso está constantemente em alerta”, detalha a pesquisadora.

O programa de mindfulness foi adaptado à cultura brasileira, com início de práticas mais curtas, de apenas cinco minutos, que foram sendo ampliadas ao longo das semanas até chegar a 30 minutos diários de atenção plena. As atividades incluíram exercícios formais, como foco na respiração, no corpo, nos pensamentos e emoções, e em diferentes posturas, como meditação sentada, deitada, em movimento e caminhando. Também incluiu práticas informais, voltadas a trazer consciência para tarefas rotineiras, como escovar os dentes, comer, vestir-se ou lavar a louça.

“Não dá para exigir que alguém que nunca praticou mindfulness consiga, de imediato, meditar por meia hora. A progressão é fundamental para que a pessoa aprenda o que é estar presente no corpo e nas emoções, sem julgamento. A prática deve ser confortável, fácil, simples e natural”, explica Gherardi-Donato.

Após oito semanas de intervenção, as mulheres que participaram do programa apresentaram melhora significativa no limiar de dor à pressão, ou seja, suportavam mais estímulos antes de começar a sentir dor. Houve também redução dos pontos dolorosos espalhados pelo corpo, diminuição do estresse e da catastrofização da dor.

“Essas mulheres relataram diminuição da dor e estavam menos sensíveis a estímulos dolorosos leves que estavam presentes antes da intervenção e eram incômodos. Houve redução dos pontos de dor orofaciais e de dor à pressão nas regiões faciais e corporais”, relata a pesquisadora. “Elas também desenvolveram maior controle da atenção, conseguindo colocar a dor em perspectiva. A dor continuava presente, mas deixou de ocupar 100% da atenção, abrindo espaço para o autocuidado e para lidar de forma mais consciente com emoções e pensamentos negativos que a acompanham e intensificam”, explica.

Outro aspecto importante apontado no estudo foi a melhora da consciência corporal e da regulação emocional. De acordo com Gherardi-Donato, a prática ajudou as participantes a lidar de forma mais equilibrada com as sensações desafiadoras. “A mente de quem sente dor crônica tende a ruminar, alimentando um medo de que a dor só vai piorar. Isso aumenta o estresse e o risco de ansiedade e depressão. Com a prática de mindfulness, a mulher passa a reconhecer a dor como algo impermanente, que não precisa dominar sua vida.”

Embora o estudo não tenha mostrado mudanças significativas nos sintomas de ansiedade e depressão, Gherardi-Donato ressalta que os benefícios observados na diminuição do estresse e da ansiedade, na percepção da dor e no fortalecimento de habilidades cognitivas e atencionais representam um avanço importante.

Baixo custo e disponível no SUS

Os resultados reforçam que práticas integrativas e complementares em saúde como o mindfulness podem ser uma ferramenta importante no manejo da dor crônica, especialmente em condições complexas como a DTM. Além disso, trata-se de uma prática de baixo custo, de fácil implementação e que pode ser incorporada aos serviços públicos de saúde.

“O mindfulness, por ser um tipo de meditação, já está previsto na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do SUS desde 2017 [portaria nº 849]. Isso significa que pode e deve ser ofertado como cuidado acessível para a população, representando a ampliação do modelo de cuidado”, destaca.

Para a pesquisadora, o impacto do mindfulness vai além do alívio físico ao promover uma mudança de postura diante da vida. “O programa resgata habilidades cognitivas e emocionais essenciais, melhora o autoconhecimento e o autocuidado. A pessoa aprende a sustentar a atenção por mais tempo e a acessar esse estado de presença também nas atividades cotidianas. Não se trata apenas de sentar e meditar, mas de contemplar compassivamente o amplo conjunto das nossas experiências, fazer escolhas mais conscientes, de viver com mais consciência no dia a dia, momento a momento”, conclui.

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