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Vídeo sobre “imposto do Pix” viraliza com informações falsas e é compartilhado por prefeito de Ribeirão Branco

Conteúdo alarmista afirma cobrança automática de 27,5% sobre movimentações financeiras; Receita Federal e Banco Central negam mudança e esclarecem que Pix não é tributado.

Um vídeo que circula nas redes sociais nos últimos dias tem provocado alarme entre trabalhadores informais, microempreendedores e usuários do Pix ao afirmar que, a partir de janeiro, quem movimentar R$ 5 mil pela ferramenta passaria a pagar automaticamente 27,5% de imposto, além de correr o risco de multas elevadas por suposta sonegação fiscal. O conteúdo, marcado por tom alarmista, foi compartilhado inclusive pelo prefeito de Ribeirão Branco (SP), Tuca Ribas (PP).

A afirmação, no entanto, é falsa.

Foto: Reprodução Redes Sociais

Levantamento feito pelo Estadão Verifica e comunicados oficiais da Receita Federal mostram que não existe nova regra para taxar movimentações via Pix, nem cobrança automática de Imposto de Renda com base em valores que entram e saem da conta bancária. O vídeo distorce normas existentes, confunde conceitos básicos de tributação e induz o público a conclusões equivocadas.

Pix não é tributo, nem base de cálculo do Imposto de Renda

O primeiro erro central do vídeo é sugerir que o Pix passou a ser tratado como fato gerador de imposto. Segundo a Receita Federal, o Pix é apenas um meio de pagamento, assim como TED, DOC, cartão ou dinheiro em espécie. Nenhum desses instrumentos é tributado em si.

O Imposto de Renda incide sobre renda ou lucro, e não sobre movimentação financeira. Entradas e saídas de valores em conta bancária não configuram, automaticamente, renda tributável. Essa distinção é elementar no direito tributário brasileiro e permanece inalterada.

A alíquota de 27,5% mencionada no vídeo corresponde à faixa máxima do Imposto de Renda Pessoa Física, aplicada apenas após apuração anual da renda, deduções legais e verificação de ganho efetivo. Não há cobrança automática, mensal ou baseada apenas em valores movimentados.

O que significa o limite de R$ 5 mil citado nas redes

O valor de R$ 5 mil citado no vídeo se refere a uma norma administrativa publicada em agosto, que ampliou a obrigação de fintechs e instituições de pagamento informarem à Receita Federal dados consolidados de movimentações financeiras acima desse patamar, no caso de pessoas físicas.

Essa obrigação não é nova para bancos tradicionais e não se aplica apenas ao Pix, mas a qualquer modalidade de transação financeira. Além disso, o envio dessas informações não permite à Receita identificar transações individuais, nem a origem ou o destino específico dos recursos, tampouco se o meio utilizado foi Pix, TED ou outro.

O objetivo da norma é fortalecer mecanismos de combate à fraude e à sonegação, sem violar o sigilo bancário.

Não há cruzamento automático nem fiscalização em massa

Outro ponto central da desinformação é a ideia de que haveria um cruzamento automático entre movimentação bancária e declaração do Imposto de Renda, gerando multas imediatas.

A Receita Federal esclarece que não monitora transações individuais em tempo real. Eventual fiscalização ocorre apenas quando há indícios consistentes de inconsistência entre renda declarada e patrimônio, respeitando o devido processo legal. Mesmo nesses casos, o contribuinte tem direito a apresentar esclarecimentos e comprovações antes de qualquer autuação.

As multas citadas no vídeo — de 75% ou 150% — só são aplicáveis após processo administrativo, em situações específicas e comprovadas de omissão ou fraude, o que não ocorre pelo simples uso do Pix.

Combate a golpes não tem relação com tributação

Parte da confusão também decorre de mudanças recentes no Mecanismo Especial de Devolução (MED) do Pix, aprimorado pelo Banco Central para combater golpes e fraudes. A atualização permite rastrear o caminho do dinheiro em casos de crime e tentar recuperar valores desviados.

O Banco Central afirmou que essas medidas não têm qualquer relação com fiscalização tributária, Receita Federal ou cobrança de impostos, e não alteram o sigilo bancário.

Desinformação com potencial de dano social

O vídeo analisado utiliza exemplos de trabalhadores informais, como vendedores ambulantes e pequenos comerciantes, para sustentar a narrativa de que milhões de pessoas seriam levadas à falência. Em determinado momento, o autor chega a afirmar que “pessoas podem se suicidar” por causa da suposta nova regra.

Especialistas e entidades de checagem alertam que esse tipo de discurso extrapola o debate público legítimo e entra no campo da desinformação alarmista, capaz de gerar pânico financeiro, desorganização econômica e desconfiança institucional.

Responsabilidade de autoridades públicas

O compartilhamento do vídeo por um prefeito em exercício amplia o alcance da informação falsa e levanta questionamentos sobre a responsabilidade de agentes públicos na circulação de conteúdos não verificados. Em um cenário de alta polarização e sensibilidade econômica, a disseminação de informações incorretas pode agravar inseguranças já existentes entre trabalhadores e pequenos empreendedores.

Esclarecimentos oficiais e contexto

Procurada em diferentes ocasiões por agências de checagem, a Receita Federal reiterou que não há criação de imposto sobre o Pix nem fiscalização automática de transações individuais. O Banco Central, por sua vez, afirma que mudanças recentes no sistema de pagamentos têm como foco exclusivo o combate a fraudes e não alteram regras tributárias ou de sigilo bancário.

A circulação de conteúdos com informações imprecisas ou falsas sobre o tema tem sido recorrente desde o anúncio da ampliação da isenção do Imposto de Renda para rendas de até R$ 5 mil e da atualização de normas de comunicação entre instituições financeiras e o Fisco. Especialistas alertam que interpretações equivocadas dessas medidas podem gerar insegurança desnecessária, sobretudo entre trabalhadores informais e pequenos empreendedores.

A reportagem tentou contato com o prefeito de Ribeirão Branco, Tuca Ribas (PP), para comentar o compartilhamento do vídeo, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.