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Quando governar não vira isca de raiva

No ano da “isca de raiva”, governar sem ódio também é uma escolha.
Foto: Reprodução Redes Sociais

O dicionário Oxford elegeu rage bait como a palavra do ano. Isca de raiva. Conteúdos pensados para provocar indignação, engajamento pelo ódio, cliques movidos pela irritação. Não é só um fenômeno das redes sociais: virou método político, estratégia de comunicação e, em muitos casos, substituto da ideia.

Em tempos assim, vale olhar com atenção para quem escolhe outro caminho.

Não se trata de santificar gestores nem de apagar críticas feitas — e bem feitas. Ribeirão Branco sabe que este jornal não poupou o prefeito Tuca Ribas (PP) quando foi necessário apontar erros: da exposição indevida de dados de uma criança à comunicação institucional precária, da dificuldade crônica de diálogo com o jornalismo ao controle político exercido sobre uma base de vereadores excessivamente submissa. Nada disso desaparece por decreto editorial.

Mas reconhecer falhas não nos obriga à cegueira quando algo merece ser observado com mais cuidado.

Nas redes sociais, o prefeito de Ribeirão Branco optou por uma estratégia que foge da lógica da isca de raiva. Não governa pelo confronto digital, não alimenta inimigos imaginários, não transforma opositores em caricaturas para mobilizar seguidores. Pelo contrário: construiu uma presença quase pop, cotidiana, permanente. Está nos vídeos, nas obras, nos anúncios, nas ruas, nos encontros improvisados, nos círculos onde jovens tocam violão e a política, ali, parece menos um campo de batalha e mais um espaço de convivência.

Isso não significa transparência plena. Muitas vezes, a comunicação é evasiva. As palavras são escolhidas com cuidado cirúrgico para proteger a própria imagem. Respostas diretas dão lugar a narrativas convenientes. É legítimo criticar isso — e continuará sendo papel do jornalismo fazê-lo.

Mas há um dado que não pode ser ignorado: essa estratégia não se sustenta no ódio.

Num país em que prefeitos, governadores e líderes nacionais descobriram que provocar raiva rende mais curtidas do que prestar contas, escolher a via do afeto público, da proximidade simbólica e da imagem positiva contínua é, no mínimo, um gesto que merece reflexão.

A maioria da população gosta. Isso não é detalhe. Popularidade não é sinônimo de virtude, mas também não nasce do nada. Ela se constrói na percepção de presença, de acesso, de pertencimento. E, gostemos ou não, isso importa na democracia real, que acontece muito mais no cotidiano do que nos editoriais.

Talvez a lição do rage bait não seja apenas denunciar quem lucra com o ódio, mas também observar quem entende que governar pode ser, antes de tudo, não transformar a política numa arena permanente de guerra emocional.

O jornalismo não existe para aplaudir. Existe para vigiar, questionar, cobrar. Mas também para compreender os fenômenos como eles são, não apenas como gostaríamos que fossem.

Num ano em que a raiva virou moeda, vale registrar: há quem prefira governar sem ela. Mesmo com contradições. Mesmo com limites. Mesmo sob críticas legítimas.

E isso, num tempo de gritos, já diz alguma coisa.