
O Grupo de Trabalho (GT) sobre Proteção de Crianças e Adolescentes em Ambiente Digital da Câmara dos Deputados encerrou seus trabalhos, nesta terça-feira (16), com um diagnóstico que classifica o cenário de riscos como gravíssimo, exigindo uma resposta coordenada do Estado, da sociedade e das empresas.
A coordenadora do grupo, deputada Rogéria Santos (Republicanos-BA), enfatizou a urgência de colocar em prática as leis já existentes – como a própria Constituição de 1988 ou o recente ECA Digital, que protege crianças e adolescentes na internet.
“O Brasil precisa entender que o que o legislador em 1988 trouxe em relação à proteção integral de crianças e adolescentes precisa sair do papel”, declarou a parlamentar. “A gente sabe de muitas conquistas, da construção do ECA convencional, muito tem se feito, mas ainda muito precisa ser feito”, disse a deputada.
O diagnóstico consolidado aponta que as violações vão da exploração sexual à deterioração da saúde mental e são agravadas por falhas estruturais.
O deputado José Airton Félix Cirilo (PT-CE), secretário da Primeira Infância, Infância, Adolescência e Juventude da Câmara, destacou que o ambiente digital deixou de ser paralelo para se tornar parte estrutural da infância e da adolescência. “Esse ambiente, quando não regulado, acompanhado e protegido, pode expor nossas crianças a riscos graves, violência, exploração, discurso de ódio, desinformação, cyberbullying”, observou.

A secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Pilar Lacerda, reforçou a urgência com dados, citando o aumento de denúncias de violência relacionadas ao mundo digital reportadas ao Disque 100 – canal do governo federal.
Em um reflexo da realidade juvenil, Jonatan Rodrigues de Araújo, que trabalha na Câmara por meio de um programa de apoio a jovens de baixa renda, observou que a juventude não simplesmente visita, mas vive na internet.
“Muitas vezes, a gente entra na internet para se divertir, fazer alguma coisa importante, e acaba caindo em um labirinto. Os algoritmos, por falta de mecanismo, trabalham para reter nossa atenção e não para nos ajudar a construir algo realmente sólido”, observou Jonatan.
O GT reforçou essa visão, identificando o modelo de negócios das plataformas como um vetor de risco sistêmico, com técnicas como a rolagem infinita desenhadas para maximizar o tempo de tela, o que exige regulação efetiva.

Legado
Para reverter o diagnóstico, o GT propôs algumas respostas imediatas ao problema. Entre elas:
- direito à imagem e ao apagamento: propostas para reforçar o direito à imagem, prevendo o direito ao apagamento de conteúdos, permitindo que jovens solicitem a remoção de dados e imagens da infância, e o dever de remover reproduções idênticas de conteúdos ilícitos, além da desindexação dos sistemas de busca;
- combate ao trabalho infantil digital: o grupo defendeu a vedação expressa do trabalho infantil em ambiente digital, afastando a tentativa de regulamentar o influenciador mirim. Apenas representações artísticas seriam admitidas, em caráter excepcional, mediante alvará judicial com salvaguardas baseadas em direitos;
- atualização penal e repressão: propostas para criminalizar condutas como o aliciamento com uso de inteligência artificial (IA) ou perfis falsos, a sextortion (extorsão sexual digital) e a sexualização de crianças e adolescentes;
- regulamentação da IA: instituição de um marco legal para sistemas de inteligência artificial que interagem ou impactam crianças, com classificação de risco obrigatória e avaliação de impacto algorítmico específica para a infância; e
- governança e protocolos: exigência de protocolos nacionais intersetoriais para o atendimento de vítimas de violência digital, com cuidados de curto, médio e longo prazo.
O GT concluiu que, embora o trabalho legislativo seja um ponto de partida, a transformação da realidade depende da implementação rigorosa e de uma cultura de cuidado coletivo.
A parlamentar Rogéria Santos ressaltou que o Glossário sobre proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais, lançado na ocasião, ajudará a sociedade e os adultos a entenderem e a traduzirem o significado dos termos digitais, preenchendo a necessidade de educação digital.
Grupo
Criado em agosto pelo presidente da Câmara, Hugo Motta, o GT sobre Proteção de Crianças e Adolescentes em Ambiente Digital ouviu mais de 40 especialistas, entre psicólogos, juízes e representantes de big techs. Em debate, assuntos como tempo de tela, verificação de idade, inteligência artificial, privacidade, medidas de segurança e influenciadores mirins.
O grupo apresentou 15 projetos de lei e na semana da criança, em outubro, 7 foram aprovados pela Câmara. Um dos projetos aprovados (PL 3287/24) cria um protocolo de atendimento imediato para proteger crianças vítimas de violência online.





