
Querido leitor,
Bora sair um pouco das fronteiras terrestres, culturais e simbólicas. Vamos hoje conversar sobre o mundo digital — sobre aquilo que os especialistas chamam de “praças digitais”, e que nada mais são do que lugares de encontro e conversa, só que feitos de telas, cliques e notificações.
Às vezes eu fico pensando, com toda honestidade: em que momento a gente começou a achar normal transformar a vida — e a dor — dos outros em conteúdo? Não é bronca. É um convite para refletirmos juntos sobre essa corrosão silenciosa do direito à intimidade, essa espécie de (in)dignidade midiática que se esconde por trás do riso rápido e do compartilhamento impensado.
As redes sociais criaram um novo tipo de praça pública, só que menos humana. Antes, quando algo acontecia na rua, o impulso natural era ajudar. Hoje, nas praças digitais, quando alguém se acidenta, passa vergonha, é humilhado ou simplesmente vive um momento de vulnerabilidade… o primeiro reflexo é filmar. E postar. E viralizar. Como se o sofrimento alheio fosse espetáculo.
Mas… e quem é exposto?
Quem tem o rosto mostrado sem permissão, quem vira meme sem querer, quem vê sua dor rodar grupos de WhatsApp, perfis de fofoca e timelines inteiras… como essa pessoa fica?
A internet não esquece. E o que pra muitos é “só um vídeo” pode virar trauma, vergonha, isolamento. É a intimidade sendo corroída, centímetro por centímetro, por essa lógica cruel de transformar vidas reais em entretenimento barato.
E quem assiste e ri?
Todos nós já caímos nessa armadilha. Não precisa negar. O vídeo aparece rápido, sem contexto, sem história. A desumanização já vem embutida. Mas vale perguntar: por que isso nos diverte? Porque a tela distancia? Porque a vida do outro parece menos vida quando está dentro de um celular? Ou porque estamos anestesiados demais para sentir?
E tem também quem se solidariza.
Quem olha e não ri. Pelo contrário: sente um aperto. Lembra de quando passou por algo parecido. Lembra da sensação de fragilidade. Essa pessoa sabe que, por trás de cada queda, há uma história, um susto, um medo. Esse olhar, meu leitor, vale ouro — e anda em falta.
E, claro, tem quem politiza tudo.
Qualquer vídeo vira treta ideológica: “é culpa do governo”, “é culpa da geração”, “é falta de educação”, “é capitalismo”, “é lacração”, “é mimimi”.
Quando tudo vira disputa, o essencial vira invisível: há uma pessoa ferida ali — e isso deveria bastar para gerar cuidado, não guerra.
A grande pergunta — incômoda, mas urgente — é:
o que estamos fazendo com a dignidade humana quando apertamos ‘compartilhar’ sem pensar?
Não trago respostas fechadas. Só um pedido, quase um abraço:
que a gente volte a enxergar gente antes de enxergar conteúdo.
Porque a vida de ninguém merece ser usada como entretenimento involuntário.
Porque dignidade não pode ser moeda de audiência.
E porque, se a internet não tem coração, nós temos — e é isso que pode fazer a diferença.
E deixa eu te lembrar, com carinho e humildade: você não está sozinho.
Se às vezes o mundo digital parecer cruel demais, respira. Ainda é possível ser mais humano — inclusive nas praças digitais.
Como sempre…
Um abraço na medida da sua necessidade.
Donizete





