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Intoxicação laborativa

Quando o cansaço deixa de ser físico e o trabalho começa a adoecer por dentro, é hora de reconhecer: saúde mental também é um direito.
26 de outubro de 2025
Ilustração gerada por AI

Querido leitor,

Antes de começar, preciso confessar algo: eu já passei por isso.
Já acordei exausto antes mesmo de levantar, já senti o coração pesado no caminho do trabalho, já sorri por fora enquanto, por dentro, só queria desaparecer por uns dias. Às vezes, a gente acha que está apenas cansado — mas, na verdade, está sendo intoxicado pelo próprio ambiente em que trabalha.

Chamamos isso de intoxicação laborativa: quando o corpo, a mente e a alma vão sendo lentamente envenenados por um cotidiano de pressões, cobranças desumanas, injustiças e falta de reconhecimento.
E o mais cruel é que o veneno raramente vem de uma só fonte. Às vezes, vem de um chefe autoritário; outras, de colegas que aprenderam a sobreviver competindo; e quase sempre, de um sistema que nos cobra produtividade como se fôssemos máquinas. No fim, tudo se mistura — a dor emocional, o cansaço físico, a vontade de desistir.

O corpo fala.
Ele grita em forma de insônia, irritação, dor de cabeça, ansiedade e crises emocionais. É o corpo tentando avisar que o trabalho virou castigo.
E, quando o corpo fala e ninguém escuta, a alma adoece junto.

Segundo dados do Ministério da Saúde e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho estão entre as principais causas de afastamento profissional no Brasil. E a maioria dessas doenças não nasce do esforço físico, mas do ambiente emocionalmente tóxico em que tantas pessoas são obrigadas a permanecer.

Mas é preciso dizer: a culpa não é sua.
Não é fraqueza sentir-se esgotado.
Não é vergonha precisar de pausa.
O problema é estrutural — é a lógica do “produza até cair”, que transformou seres humanos em engrenagens de um sistema que não reconhece limites nem sentimentos.

É o medo de perder o emprego que faz muita gente engolir humilhações com um sorriso forçado.
É o silêncio das instituições diante de chefias abusivas, metas impossíveis e falta de empatia.

A saúde mental é também um direito trabalhista e uma questão de dignidade.
Nenhum salário vale o preço da paz interior.
Buscar ajuda médica, denunciar abusos, exigir respeito — tudo isso é forma de resistência.
Cuidar-se é, acima de tudo, um ato político.

Se você sente que está no limite, respire fundo. Procure apoio. Converse com alguém de confiança.
Às vezes, o simples ato de ser ouvido já é um remédio.
E, se você conhece alguém que está passando por isso, estenda a mão — mesmo em silêncio, mesmo com um gesto simples. Às vezes, esse gesto é tudo o que o outro tem para se segurar.

Hoje, escrevendo estas linhas, percebo que sobreviver à intoxicação laborativa é um processo de renascimento.
A gente aprende, aos poucos, que o trabalho precisa caber dentro da vida — e não o contrário.

Com meu abraço na medida da sua necessidade, até a próxima reflexão.

Sobre a Coluna

A coluna de Donizete Furlan será publicada semanalmente no Diário de Ribeirão Branco, sempre com textos que entrelaçam Direito, memória e cotidiano. Um convite ao pensamento crítico com raízes no interior.

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