
Olá, caro e querido leitor.
Hoje eu não quero te falar de injustiça, de direitos negados ou de invisibilidades sociais. Hoje, te peço licença pra abrir uma janelinha do passado e deixar o cheiro de doce e de terra molhada invadir o presente. A memória também limpa, também cura, também nos coloca de pé.
Naquele tempo em que os pés calejados mal sabiam o nome do que era “direito”, eu já caminhava, ao lado das minhas irmãs, entre o asfalto e a estrada de chão, com a mochila nas costas e uma alegria no peito que nem sempre cabia. Estudava na escola Luiz José Dias. Quando a aula acabava, meu compromisso era buscar Sheila e Valéria e seguir viagem: uns quatro quilômetros até o sítio, atravessando a vida com os passos de criança e o coração de gente grande.
Antes de encarar a estrada de terra, subíamos a Ângelo Santos Penteado e fazíamos uma parada obrigatória: o bar do Teco — ou melhor, Toninho do Teco, como era conhecido. Aquilo pra nós era quase uma festa. Meu pai tinha conta ali e, no fim do mês, ele quitava o que devíamos. Mas, naquele instante, o que valia mesmo era o direito silencioso de escolher um doce. Suspiro, pé de moleque, doce de leite, canudinho de leite, pipoca… nada muito caro, claro. Mas, pra quem vinha de onde a gente vinha, era tudo. Era luxo, era mimo, era afago no meio da caminhada.
Depois do doce, era seguir pela estrada. Às vezes o sol judiava, às vezes o vento aliviava. Tinha dia em que meu pai buscava a gente de cavalo ou de charrete — e isso virava um acontecimento. Mas, na maioria das vezes, íamos mesmo a pé. E, entre um passo e outro, íamos catando cereja no caminho, rindo das bobeiras, contando casos e dividindo silêncios. Era o tempo de conversar com minhas irmãs, de ser irmão, de ser menino.
Nem tudo era riso. Passávamos pela capela e, volta e meia, alguém dizia: “Fulano faleceu.” A tristeza, nesses momentos, nos fazia andar mais devagar. Porque, naquela idade, quando alguém partia, parecia que o mundo todo ficava mais pesado, mesmo que a gente ainda não soubesse exatamente o que era luto.
Chegando em casa, era tempo de almoçar e trabalhar. Sim, trabalhar. A gente ajudava na lavoura, porque era isso que sustentava a vida, e a vida não esperava muito.
Mas, veja bem, não te conto isso pra causar pena. Te conto porque há beleza na simplicidade. Há dignidade nas histórias que não chegam aos livros, mas que enchem de sentido quem as viveu.
Hoje, ao escrever essa memória, percebo que aquilo que parecia apenas rotina era, na verdade, um exercício de resistência, de amor e de cuidado. Era nossa higiene mental. Era o jeito que tínhamos de seguir, mesmo sem saber que estávamos fazendo história.
Obrigado por caminhar comigo mais uma vez, leitor. Que você também encontre, nas lembranças da sua infância, um pouco de doçura pra aliviar os dias difíceis. E, de coração, deixo aqui minha gratidão eterna à Sheila e à Valéria — minhas irmãs de sangue, de alma e de jornada. Parceiras de estrada, confidentes de infância, colunas firmes da memória mais bonita que carrego comigo.
Até a próxima parada.