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    9 de Julho: A data que transformou São Paulo em trincheira da democracia

    Revolução de 1932 foi derrotada nas armas, mas venceu na política — e até hoje inspira a luta por democracia e memória.
    Ilustração

    No calendário paulista, o dia 9 de julho é mais do que um feriado. É um marco histórico que remonta à Revolução Constitucionalista de 1932 — o maior movimento armado da história republicana brasileira no século XX, protagonizado por civis e militares paulistas em nome da legalidade, da autonomia federativa e da urgência por uma nova Constituição.

    A revolta começou oficialmente em 9 de julho, mas seu estopim ocorreu semanas antes, em 23 de maio, quando um protesto de estudantes e opositores ao governo provisório de Getúlio Vargas terminou com a morte de quatro jovens em frente à sede da Legião Revolucionária, no centro de São Paulo. Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo tornaram-se, desde então, siglas da comoção popular: MMDC.

    Sob o comando do general Bertoldo Klinger e do general Isidoro Dias Lopes, as tropas paulistas se levantaram contra a centralização política instaurada por Vargas desde a Revolução de 1930, que havia fechado o Congresso Nacional, suspendido a Constituição de 1891 e nomeado interventores federais em todos os estados — eliminando, assim, a autonomia política das antigas oligarquias regionais.

    Durante três meses, entre julho e outubro de 1932, cerca de 35 mil combatentes paulistas — muitos deles voluntários sem formação militar — enfrentaram as forças federais, numericamente superiores e melhor equipadas. A frente de combate se estendeu por diversas regiões, incluindo o Vale do Paraíba, o sul de Minas e áreas do oeste paulista. A ofensiva culminou em mais de 900 mortos e milhares de feridos. Em 2 de outubro, São Paulo se rendeu militarmente. Mas a derrota no campo de batalha transformou-se, com o tempo, em vitória política.

    Em 1933, diante da pressão paulista e do desgaste institucional, o governo federal convocou eleições para uma Assembleia Constituinte. No ano seguinte, o Brasil passou a ter uma nova Constituição — mais moderna, com reconhecimento dos partidos políticos, voto secreto e direitos trabalhistas. O movimento paulista, portanto, apressou a redemocratização do país, mesmo ao custo do sacrifício.

    O reconhecimento da importância histórica da data veio décadas depois. Em 1997, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou a Lei Estadual nº 9.497, que instituiu o 9 de julho como feriado civil e data magna do Estado de São Paulo. A medida foi sancionada pelo então governador Mário Covas, com base na Lei Federal nº 9.093/1995, que autorizava os estados a criarem seus próprios feriados civis.

    Ao longo dos anos, a memória da Revolução Constitucionalista foi sendo preservada em monumentos, cerimônias oficiais e atos cívicos. O Obelisco do Ibirapuera, inaugurado em 1954, tornou-se o principal mausoléu dos combatentes paulistas, abrigando os restos mortais dos jovens do MMDC. A tradicional Prova Ciclística 9 de Julho, criada em 1933 pelo jornalista Cásper Líbero, é outro tributo à resistência.

    Mais do que nostalgia histórica, o 9 de julho carrega um legado cívico. Representa a tentativa de um estado — à época economicamente forte e politicamente influente — de frear os arroubos autoritários de um governo que, embora legitimado pelo apoio popular em 1930, mantinha o país sob tutela provisória indefinida. São Paulo pegou em armas não apenas por interesses locais, mas por um pacto constitucional que desse voz ao povo e limites ao poder.

    Em municípios do interior, como Ribeirão Branco, o feriado de 9 de julho é uma oportunidade de resgate educativo e reflexão coletiva. Afinal, a história não acontece apenas nas capitais ou nas páginas dos livros. Ela se faz, também, nas escolas públicas, nas praças com nomes de heróis anônimos e na consciência cívica de quem reconhece que a liberdade não é dada, mas conquistada — e, mais ainda, lembrada.

    Mesmo em regiões mais afastadas dos combates intensos, como Ribeirão Branco, Itapeva e Itararé, a revolução deixou marcas: trincheiras foram cavadas, mantimentos organizados e jovens enviados às frentes de batalha — porque a guerra por uma Constituição passou, sim, pelo interior.

    A Revolução Constitucionalista permanece como uma das mais emblemáticas demonstrações de mobilização civil do Brasil republicano. E o feriado de 9 de julho, quase um século depois, não é apenas memória. É um alerta. A Constituição, como a democracia, é uma construção diária. E São Paulo, naquela trincheira de 1932, escolheu não se calar.