Na política, como nas famílias grandes e barulhentas, às vezes o que não é dito pesa mais do que qualquer grito. A 9ª sessão da Câmara de Ribeirão Branco, por exemplo, foi daquelas reuniões em que os abraços protocolares pareciam escondê-los. E, claro, os silêncios também. Silêncios que gritavam por dentro, como num episódio tenso de Succession — só que com menos ternos e mais moções.
A sessão começou com um rito que deveria ser leve: a posse do novo vereador Pedro Wilson (PP). Houve palmas, discursos respeitosos, menções à trajetória política. Tudo certo. Mas, em política, o “tudo certo” muitas vezes serve para deixar quieto o que já está fora do lugar.
Porque logo após o novo nome assumir a cadeira, voltamos ao velho enredo: elogios ao Executivo de um lado; do outro, vereadores tentando puxar pela manga do protocolo para fazer valer suas dores — que, no fim das contas, são as dores de quem vive na ponta do serviço público.
Ronaldinho Fiscal do Povo (PT) veio com o tom de quem cansou da liturgia. Falou de vigilância sobre merendeiras. Reclamou do contrato precário das RPAs. Lembrou que profissionais que cuidam de crianças especiais ganham pouco e, ainda assim, são ignorados quando pedem dignidade. A denúncia mais grave, no entanto, veio en passant: “toda sexta, a carne das escolas é recolhida”. Disse que não acusava ninguém, mas deixou a pulga ali, para saltar sobre quem quisesse coçar a cabeça.
Na sequência, Virgínia (Podemos) entrou em campo. Não para rebater Ronaldo diretamente, mas para rebater um julgamento mais sutil — o das ausências. Reclamou de ataques nas redes, justificou por que faltou à audiência da saúde. “Tenho dois filhos pequenos”, disse, com a calma de quem não devia explicação, mas preferiu dar. E nesse gesto, revelou algo que muita política não mostra: a tentativa de seguir pública sem se desumanizar.
Aliás, se essa sessão fosse um episódio de série, talvez se chamasse “Reuniões que uns são convidados e outros ficam sabendo pelo Facebook”. Porque esse é o sentimento que permeou muitas falas: o da exclusão seletiva. Projetos que chegam de última hora. Reuniões que incluem sempre os mesmos. Convites que parecem assinados por algoritmo — programado para ignorar vozes críticas.
No campo das ideias, vieram boas propostas: criação da Secretaria de Habitação, combate a músicas que romantizam o crime nas escolas, incentivo à saúde bucal, prevenção às drogas. Mas havia uma espécie de névoa em tudo isso. Como se cada novo projeto fosse uma cortina bonita diante de um palco onde as tramas centrais não são encenadas — são apenas sussurradas nos bastidores.
A palavra “valorização” apareceu muito. Em discursos, projetos, intenções. Mas talvez o que esteja em falta na política local seja justamente isso: valorizar o contraditório, o incômodo, o desconforto de ser contrariado. E não apenas quem concorda com o script oficial.
No fim da sessão, tudo volta ao normal. A ata é lida, os parabéns são dados, os nomes são citados. E, mais uma vez, os temas mais urgentes — como a exposição indevida de dados de pacientes, ou a precarização silenciosa de quem serve o município — ficam no eco do microfone.
É como se a Câmara tivesse se tornado um tipo de série em que todo episódio termina do mesmo jeito: com a promessa de que na próxima sessão… talvez algo mude.
Talvez.