
Querido leitor, acordei um pouco pensativo hoje. Estou preparando um ciclo de palestras que farei para o Serviço Social do Comércio (SESC). A temática? Junho Violeta — mês de proteção à pessoa idosa. E confesso: me peguei com o coração apertado.
Não dá mais para fingir que está tudo bem. Não dá mais para sorrir diante do abandono. O que vivemos não é só crise — é um ciclo de esquecimento. E tem nome: Estado do Descaso.
Não falo do Amapá, nem de São Paulo, nem mesmo da minha querida Ribeirão Branco, de onde guardo as lembranças mais bonitas da vida. Falo do Brasil enquanto Estado — essa estrutura que deveria cuidar, proteger, garantir. Mas que tem falhado, dia após dia, com os mais simples, com os mais pobres, com os mais invisíveis.
Aqui, quem não tem cargo, sobrenome ou conta bancária precisa chorar para ser visto. Precisa implorar para ser atendido. E, às vezes, nem isso basta.
Tem gente que trabalhou a vida inteira como autônomo — vendeu fruta, costurou roupa, puxou enxada — e hoje envelhece sem um salário digno, sem plano de saúde, sem amparo algum. A velhice, que deveria ser descanso, virou luta.
Luta para ser respeitado.
Luta para conseguir um remédio.
Luta para simplesmente existir.
Enquanto isso, nos discursos oficiais, tudo parece lindo. Fala-se em “sustentabilidade”, em “Brasil do futuro”, em “reconstrução”. Mas, nas filas dos hospitais, nas salas de aula caindo aos pedaços, nas ruas de barro e nos becos sem luz, o povo segue esperando.
Esperando o que já devia ser garantido.
A COP30 vai ser no Pará. Mas será que o Pará está pronto? Será que as comunidades ribeirinhas vão ter voz — ou só vão servir de cenário? Sustentabilidade não é plantar árvore pra estrangeiro ver. Sustentabilidade é garantir que o povo coma, estude, viva com dignidade — todos os dias.
As leis existem, mas muitas vezes não chegam até quem precisa. Falta quem fiscalize, quem aplique, quem se importe. O cidadão comum vive num Brasil onde o certo só funciona pra poucos. E o errado parece ser norma.
Mas a gente não quer privilégio. Quer respeito. Quer viver sem medo. Quer envelhecer com dignidade. Quer ser tratado como gente — sem precisar se humilhar.
A fome só dói pra quem sente.
O laudo só é criticado por quem não tem deficiência.
A cota só é criticada por quem não teve avó escravizada.
A corrupção só é normal pra quem não imagina o impacto que ela causa na sociedade.
E o ferimento à nossa dignidade só nós sentimos.
Porque, quando um povo precisa se dobrar para ser enxergado, é sinal de que o Estado já se desfez por dentro.
E ninguém merece viver num país que exige dor como prova de existência.
Obrigado por estar aqui de novo, caro leitor. Nos veremos na próxima edição, que tratará sobre o direito e as leis — essas que, no papel, são belas, mas que precisam sair da teoria e entrar na vida.