Pesquisador da USP explica experimento que envia alimentos ao espaço
No dia 14 de abril de 2025, a Rede Space Farming Brasil estabeleceu um marco inédito na ciência agrícola ao enviar sementes de grão-de-bico e plantas de batata-doce para o espaço em voo suborbital privado da Blue Origin. Durante o experimento, os alimentos ficaram expostos por quase cinco minutos à microgravidade, o que pode fornecer novas perspectivas sobre a reação a um cultivo espacial de longo prazo.
Paulo Hercílio Rodrigues, docente da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e doutor pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), ambos da USP, colaborou com o projeto. “As plantas, quando vão para essa condição de microgravidade, entram em estresse, e essa condição de estresse pode ativar alguns genes”, disse em entrevista à Rádio USP. Ele conta que testes realizados em Piracicaba utilizam equipamentos especiais e CubeSats (satélites em miniatura), que mostram que o estresse é significativo e compromete a produção. Simulando esses ambientes na Terra, é possível prever formas de viabilizar a agricultura em futuras estações espaciais.
O cultivo de alimentos fora da Terra surge com a necessidade de suprir os astronautas, mas suas repercussões tecnológicas poderão favorecer a agricultura na Terra, especialmente frente às incertezas do aquecimento global. O objetivo é seguir com pesquisas nos exemplares que retornaram do espaço para desenvolver tecnologias de melhoramento genético e adaptação a condições inóspitas.
“Este voo foi o pontapé inicial da nossa rede”, comenta Carlos Hotta, pesquisador do Instituto de Química (IQ) da USP e também associado ao projeto. Ele explica que, para instaurar um sistema de cultivo autossuficiente e sustentável fora da Terra, é necessário avaliar múltiplos parâmetros: a resistência dos alimentos à radiação e à microgravidade, o porte compacto das plantas, a ausência de solo e a alta produtividade em pouco tempo.
Alessandra Fávero, coordenadora da rede e pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste, informa que as pesquisas estão sendo financiadas por três fontes: a Winston-Salem State University (WSSU), a National Geographic e Aisha Bowe, ex-cientista de foguetes da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa).
História da Rede Space Farming Brasil
Em 2020, a Nasa e o Departamento de Estado dos EUA estabeleceram o Acordo Artemis, que visa ao retorno dos seres humanos à Lua e ao espaço profundo e propõe um conjunto de princípios para a exploração pacífica do ambiente astronômico. Ele foi assinado inicialmente por oito países, e atualmente conta com 54 signatários, incluindo o Brasil. Um dos propósitos definidos é construir bases espaciais permanentes na Lua e até mesmo em Marte, em detrimento de enviar missões temporárias.
Neste cenário, a manutenção da alimentação dos astronautas se torna um ponto-chave. “Um quilo de qualquer alimento enviado para a Lua custa aproximadamente 1 milhão de dólares”, aponta Alessandra. “Como o Brasil é reconhecido internacionalmente pelas pesquisas agrícolas, principalmente tropicais, nós vislumbramos uma contribuição importante depois da assinatura do Artemis.”
A rede surge em 2022 como uma parceria entre a Embrapa e a Agência Espacial Brasileira (AEB). Hoje, ela conta com 56 pesquisadores de 22 instituições diferentes, incluindo quatro internacionais. Dentre elas está a WSSU, cujo representante é o professor brasileiro Rafael Loureiro. Loureiro pesquisa interações entre microrganismos e plantas que possam reduzir o estresse espacial, e foi ele quem conseguiu negociar a inclusão do material brasileiro no voo suborbital.

Batata-doce e grão-de-bico
Considerando os desafios para cultivar plantas no espaço, as cultivares são variedades selecionadas geneticamente para apresentar características desejáveis. As plantas escolhidas para voar são mais adaptáveis e resilientes, têm rápido crescimento e fácil manejo, e conseguem se desenvolver bem em condições adversas.
O grão-de-bico é um alimento rico em proteínas e muito versátil na preparação de alimentos. “Ele vai desde homus até hambúrguer”, comenta Alessandra, “e é rico em triptofano [precursor da serotonina], então é interessante em situações de estresse”. A semente de grão-de-bico escolhida foi a BRS Aleppo, desenvolvida por pesquisadores brasileiros na Embrapa.
A batata-doce é fonte de carboidratos de baixo índice glicêmico, e suas folhas oferecem uma alternativa de consumo como proteína vegetal. Suas raízes também produzem compostos bioativos que atuam como antioxidantes naturais. “Isso é interessante para saúde humana e para a própria planta em situações de radiação ionizante, como ocorre no espaço”, complementa.
O diferencial da cultivar de batata-doce Beauregard é sua polpa alaranjada, indicativa do alto teor de betacaroteno: ela possui dez vezes mais provitamina A do que as cultivares mais comuns no País. Também foi enviada a cultivar Covington, desenvolvida para ter crescimento rápido, adaptabilidade, alto valor nutricional e manejo simples.
Hotta explica que as plântulas (plantas jovens) de batata-doce foram colocadas dentro de tubos, juntamente com a planta modelo Arabidopsis thaliana. Elas foram fixadas — mortas e congeladas — em três momentos da viagem. “Agora, vamos analisar como estavam os genes nesses momentos”, realça.
A linha de pesquisa de Hotta está ligada ao relógio biológico das plantas, e como isto pode ser aplicado na agricultura e contribuir para a produtividade. “Essa expertise é muito importante porque estamos lidando com ambientes supercontrolados, e se coordenarmos bem os ritmos do ambiente com os ritmos da planta, podemos produzir maior quantidade de alimento de forma mais sustentável”, explica.
Do espaço para a Terra: os spinoffs
Spinoffs é o nome dado às diversas tecnologias utilizadas no nosso cotidiano que foram desenvolvidas a partir de pesquisas para explorações espaciais da Nasa. Os exemplos vão desde fones de ouvido sem fio, câmeras para celular, fornos micro-ondas e aspiradores de pó portáteis até próteses de membros artificiais, aprimoramento da precisão do GPS, implantes cocleares e equipamentos de combate a incêndio.
No cenário atual da agricultura, as mudanças climáticas são uma preocupação crescente. Eventos extremos cada vez mais frequentes, como enchentes e ondas de calor, prejudicam diretamente os cultivos e ocasionam perdas drásticas de alimento. A desestabilização da produtividade das lavouras tem consequências socioeconômicas para toda a população.
“É possível que existam cenários onde cultivos protegidos começam a ser essenciais para garantir segurança alimentar”, pontua Hotta. Frente a esse desafio, as condições que serão avaliadas no espaço representam um ponto de partida de potenciais tecnologias alternativas para o futuro do planeta.
Há duas expectativas principais que orientam as linhas de pesquisa. A primeira delas é referente ao cultivo indoor, ou seja, a produção de alimentos em ambientes fechados na ausência de solo, manipulando condições de iluminação e temperatura.

“Atualmente, as fazendas verticais urbanas são limitadas a hortaliças e microgreens”, comenta. Além da menor dependência do clima, o cultivo indoor aumenta a escala de produção em espaços urbanos limitados e reduz o desperdício de água para irrigação, o uso de pesticidas, os custos e o tempo de transporte dos alimentos.
Outra hipótese é elaborar maneiras de acelerar o ciclo de plantio e colheita. “Obtendo plantas com um ciclo mais rápido, poderemos aproveitar momentos de clima mais estável para cultivar alimentos e fugir dos períodos de clima extremo”, opina.
As possibilidades de inovação tecnológica ainda incluem plantas adaptadas a ambientes com baixa disponibilidade de água e nutrientes, úteis para regiões afetadas pela seca ou por solos degradados. “Podemos ter novas cultivares lançadas no mercado brasileiro que serão mais eficientes no uso de água e energia”, adiciona Alessandra. As pesquisas pretendem ampliar o uso de inteligência artificial na gestão agrícola, como sensores e algoritmos de monitoramento da irrigação, luminosidade e nutrientes, além de otimizar geneticamente a eficiência energética das plantas.
O professor Hotta explica que o plano para os primeiros cinco anos do projeto engloba a realização das pesquisas preliminares nos vários aspectos que interferem na produção de alimentos no espaço. “O tempo [nas missões] é extremamente disputado. Estamos procurando oportunidades para manter as plantas lá por mais tempo, até conseguirmos ir, de semente a semente, ao espaço”, conclui.
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